Skate, Borden e a Cidade
Pexão (originalmente publicado na revista Vista

AMIGOS se encontram no centro da cidade e saem andando juntos de skate pelas ruas, sem um destino específico. Em pouco tempo acham uma transição na calçada, provocada pelo crescimento da raiz de uma árvore sob o piso, ao lado de uma estrutura de canos de metal que serve para separar os pedestres da movimentada avenida, onde passam carros em alta velocidade. Ninguém precisa se falar para explicar a descoberta, todos já estão sorrindo, pois enxergaram ali, naquela configuração de metal e concreto, possibilidades de manobras. Enxergaram desafio e diversão, possível através do skate. Então cada um tenta sua manobra, uns esperam os intervalos no trânsito e usam a elevação como rampa para pular sobre o ferro, aterrissando no asfalto. Outros se preocupam mais em aproveitar os intervalos de pedestres para usar a transição, atingir e deslizar com o skate no ferro, retornando para a calçada. Moradores do prédio em frente observam a ação pelas janelas. Um mendigo que tentava dormir próximo ao local, se incomoda com o barulho e manda os skatistas embora. Alguns discutem enquanto outros seguem andando. Aparece um policial vindo na esquina, os skatistas não perdem tempo e saem de skate em busca de outro lugar pra andar, mas com planos de voltar ali mais tarde para acertar as manobras que tentavam.



Nada de mais. A princípio, apenas uma cena comum do cotidiano de quem anda de skate na rua. Mas, se pensarmos na cidade como um todo, na maneira como ela foi projetada, em como o cidadão comum utiliza suas ruas para circular, a pé ou em carros, e em como algumas pessoas usam o espaço de maneiras não convencionais? As interações podem ficar infinitamente complexas e um tanto intrigantes quando analisamos a maneira como os skatistas transitam e se expressam no meio disso tudo, percebendo a arquitetura de uma maneira única. Estudando e pesquisando, rende um belo livro, um livro que, por sinal, já existe e vai muito além. Trata-se da publicação mais aprofundada sobre o skate já escrita: Skateboarding, Space and the City: Architecture and the Body (edit Oxford, Berg - 2001) que aborda a história do skate e sua cultura, assim como analisa a relação dos skatistas com o espaço, das piscinas às ruas. O autor é o professor inglês Iain Borden, historiador e teórico de arquitetura e cultura urbana, com diversos livros publicados, prêmios e todos os títulos que um acadêmico pode querer. Mas, antes de tudo, Iain é skatista. E foi de skatista pra skatista que trocamos e-mails até chegar na entrevista que segue, onde ele dá sua visão dos temas que estamos tratando nessa edição especial da Vista.

Na hora de buscar terreno skatável, o skatista se preocupa com a estética dos locais?
Iain Borden: Depende do que você que dizer com estética... Se for uma maneira puramente visual de pensar sobre objetos, então talvez não. Mas a estética de um skatista é, ao mesmo tempo, visual e corporal, no sentido de que eles apreciam um terreno não apenas pela maneira que ele aparenta, mas também pela maneira que ele pode ser utilizado através do skate com seus próprios corpos. Então existe uma apreciação estética, mas não confinada apenas aos olhos. Na verdade isso é uma parte muito importante do skate, na medida em que mostra como as pessoas podem experimentar e aproveitar as cidades e arquitetura através de todo corpo. Seguido se fala apenas de como as construções aparentam e o skate ajuda a mostrar como a arquitetura é muito mais que isso.

O que você acha dos espaços que tem sido construídos para a prática do skate?
IB: Minha tendência é gostar de todos os tipos de skateparks, assim como eu aprecio todo tipo de arquitetura, contanto que ela seja bem feita. Então skate plazas e skateparks caros são todos bons de ter, contanto que o design e construção sejam bons o suficiente para que os skatistas consigam usá-los com imaginação, de maneira inventiva. O que preocupa é a idéia de todos skateparks ficarem iguais. Por exemplo, só skate plazas e sem pistas com transições. Ou todos do mesmo tamanho. Por exemplo, só áreas grandes, sem skateparks menores. O importante é ter uma grande variedade de skateparks para encorajar todo tipo de skate, por toda cidade. Nós precisamos de muitos skateparks pequenos, distribuídos por tudo nas cidades. Outra coisa importante é os administradores da cidade perceberem que construir skateparks nunca vai "substituir" o skate nas ruas. Skateparks são um complemento, e não um substituto para o skate de rua.

E integração entre skate, arte e arquitetura que está acontecendo em alguns projetos?
IB: Pessoalmente, eu gosto do que acontece quando bons arquitetos trabalham com bons construtores de skateparks, como aconteceu onde moro, Londres, com a nova pista em Cantelowes. Também gosto muito do que estão fazendo Rich Holland e o The Side Effects of Urethane (TSEOU), assim como o Simparch, criando instalações de arte skatável em grandes galerias e locais inusitados por todo o mundo.

Como você vê a questão do skate na cidade que, em determinados lugares, chega a ser considerado ilegal pelo poder público?
IB: O mais importante é o tipo de atitude que o público tem nesses lugares. Em particular, temos que aceitar que espaços públicos sempre são, em parte, espaços de contestação, negociação e risco. Claro, ninguém quer espaços com perigo, violência e crime, mas é comum que o medo de crimes, etc, signifique que todos tipos de atividades "diferentes", como skate, sejam legisladas fora do espaço público. Todos nós precisamos perceber que os espaços da cidade são lugares de surpresa, aventura, acidentes... Não apenas coisas previsíveis, como sentar, fazer compras ou beber outro moccafrappacino...

Você tem alguma dica para o skatista coexistir com o resto da cidade?
IB: Regra número 1: ninguém tem direito absoluto sobre nada no espaço público, então não seja estúpido de tentar andar de skate em lugares lotados de gente, como as ruas da cidade nas horas de pico, ou num shopping center no sábado de tarde. Regra número 2: lembre disso, por outro lado, skatistas tem ou deveriam ter tanto direito quanto qualquer um de usar espaços mais abertos e públicos. Os melhores lugares geralmente são ou estão ligados a lugares de caminhar, como parques, passeios, calçadões. Encontre lugares visíveis, onde quem não anda de skate possa te ver, e não tenha medo de ficar um pouco a vista. Minha experiência é de que o público geralmente gosta de ver skate, contanto que não conflite diretamente com o que eles estão fazendo.

Você ainda anda de skate e estuda esse assunto? Em que projetos está trabalhando agora e o que mais tem feito?
IB: Eu sigo andando um pouco de skate, principalmente em bowls e outras transições suaves. E, ocasionalmente, sigo escrevendo sobre skate, geralmente para projetos de arte. Meu grande projeto acadêmico no momento é a história do ato de dirigir, da maneira que as pessoas experimentam as cidades e a arquitetura através do automóvel. Meu trabalho principal é a direção da Bartlett School of Architecture, na UCL (University College London). É um ótimo lugar pra trabalhar, já que estudantes de arquitetura são muito criativos e imprevisíveis, além, é claro, de muitos deles serem skatistas.
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